sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Filosofia antiga


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Lençóis e Lenço


Adaptado e Postado por mim. Desconheço o Autor

Sei que para o pesquisador assíduo, interessado e reverente, a Palavra de Deus sempre trará novos tesouros e novas preciosidades virão à tona para alimentar e nutrir o Seu povo. Contudo, algumas vezes, mesmo o estudante mais bem intencionado pode cair na armadilha de interpretar um texto incorretamente e extrair dele lições ou temas os quais absolutamente ele não advoga ou cobre.
Esse me parece ser o caso de uma explicação/aplicação feita sobre o texto de João 20:7, que fala sobre a disposição das vestes mortuárias de Jesus após Sua ressurreição, a qual li recentemente. O texto bíblico assim reza (segundo a Almeida Revista e Atualizada): e o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, e que não estava com os lençóis, mas deixado num lugar à parte.”
Segundo a interpretação dada, os lençóis que envolveram o corpo de Cristo estavam jogados no chão, enquanto o lenço que cobria Sua cabeça estava devidamente dobrado em outro lugar. Tal disposição teria um significado especial dentro da tradição judaica. De acordo com a discussão feita, antes de uma refeição, o servo colocava a mesa para seu senhor com todas as coisas em ordem. Então, o senhor vinha, se assentava à mesa e iniciava a refeição, enquanto o servo ficava à parte, sem ser visto. Se o senhor terminava de comer e estava satisfeito, ele amassava o quardanapo/lenço, jogava-o sobre a mesa e saía, indicando ao servo que poderia retirar a mesa. A mensagem enviada era: terminei meu trabalho.
Contudo, se o senhor se levantasse e saísse deixando, porém, o guardanapo dobrado, isso era sinal para que o servo ainda não retirasse a mesa. A mensagem enviada era: voltarei para terminar meu trabalho. Assim, o fato do lenço que cobria a cabeça de Cristo estar dobrado significaria, veladamente, um reforço a Sua promessa de voltar pela segunda vez. Seria essa uma possível lição espiritual advinda do texto sagrado? Creio não ser esse o caso.
Por mais bonita que tal interpretação possa soar, ela não se coaduna com o contexto da passagem, principalmente com algumas suposições extraídas, talvez, do “silêncio” sobre a disposição dos lençóis que envolviam o corpo do Salvador em contraposição ao lenço que lhe cobria a cabeça.

Gostaria de analisar algumas palavras-chave que, talvez, elucidem para nós o real sentido desta menção de João às vestes mortuárias de Jesus, a qual o Santo Espírito o inspirou a incluir no seu evangelho.
Entendendo o Texto
Para entendermos melhor o contexto da passagem, leiamos João 20, desde o verso 3 até o verso 10 [1]:
3 Saiu, pois, Pedro e o outro discípulo e foram ao sepulcro.
4 Ambos corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro;
5 e, abaixando-se, viu os lençóis de linho; todavia, não entrou.
6 Então, Simão Pedro, seguindo-o, chegou e entrou no sepulcro. Ele também viu os lençóis,
7 e o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus, e que não estava com os lençóis, mas deixado num lugar à parte.
8 Então, entrou também o outro discípulo, que chegara primeiro ao sepulcro, e viu, e creu.
9 Pois ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário ressuscitar ele dentre os mortos.
10 E voltaram os discípulos outra vez para casa.
O contexto da passagem é a corrida de Pedro e João ao túmulo onde o corpo de Cristo houvera sido depositado. João, sendo mais jovem, chegou primeiro, viu os lençóis e parou à porta do sepulcro (vv. 4 e 5). Pedro, mais velho, chegou depois, viu também os lençóis, mas avançou para dentro do recinto (vv. 6 e 7). Depois de algum tempo, João também entrou, viu as mesmas coisas que Pedro, e creu que Jesus ressuscitara (v. 8).
Não sei dizer o porquê disso, mas a ARA omite uma palavra do verso 6 e do verso 7. No verso 6, é dito que ele [Pedro] “também viu os lençóis.” Em grego, a frase diz literalmente: “e viu os lençóis colocados” (κα θεωρε τ θόνια κείμενα). Neste caso, a expressão τ θόνια κείμενα (ta othonia keimena) diz que os lençóis estavam dispostos, colocados, não jogados. Inclusive, segundo o Analytical Lexicon of the Greek New Testament, o verbo κείμαι (keimai), que na expressão aparece no particípio presente passivo plural acusativo neutro (em concordância com e qualificando τ θόνια), significa, literalmente, o resultado de colocar algo em algum lugar, com ênfase no sentido espacial [2]. Em outras palavras, κείμενα significa colocados espacialmente, dispostos. Ainda, segundo Lidell, o verbo κείμαι, originalmente, significa deitar esticado, reforçando o sentido de que os lençóis estavam dispostos, organizados, esticados e não jogados [3].
No verso 7, é dito que o lenço (σουδάριον) “não estava com os lençóis.” Em grego, a frase diz literalmente: “não com os lençóis colocado” (ο μετ τν θονίν κείμενον). Nesse caso κείμενον (keimenon) se refere à σουδάριον (soudarion), ambos no neutro singular, e não à τν θονίν (tōn othoniōn),
genitivo plural. O que está sendo dito é que ao invés de estar colocado espacialmente, o lenço está ντετυλιγμένον (entetyligmenon), dobrado, em outro lugar. Assim, João está contrapondo o lugar onde os lençóis e o lenço estão, mais do que a sua disposição. Enquanto os lençóis estão dispostos, organizados de um lado, o lenço está em outro lugar dobrado. Apesar de não podermos, taxativamente, afirmar, biblicamente, que os lençóis estavam dobrados, podemos com segurança afirmar que eles estavam, no mínimo, organizados e não jogados.
Assim sendo, parece temerário julgar a interpretação dada anteriormente como válida. Além de extrair do texto uma informação que lá não se encontra (o suposto fato de os lençóis estarem jogados enquanto o lenço estava dobrado), o contexto não suporta tal explicação. Se João tivesse dado ênfase à esse detalhe no contexto de uma refeição, como a Santa Ceia por exemplo, tal aplicação teria sua validade. Mas o texto trata da ressurreição, de uma tumba, das vestes mortuárias de alguém, e não de uma refeição.
Existem duas lições espirituais que podem ser extraídas deste detalhe dos lençóis e dos lenços dado por João, e, é claro, não devem ser as únicas. A primeira vem do comentário de Ellen G. White sobre o texto : “Fora o próprio Cristo que colocara com tanto cuidado as roupas com que O sepultaram .... Enquanto o anjo do Céu removeu a pedra, o outro entrou no sepulcro e desembaraçou o corpo de Jesus de seu invólucro. Foram, porém, as próprias mãos do Salvador que dobraram cada peça, pondo-as em seu lugar. Ao Seu olhar, que guia semelhantemente a estrela e o átomo, nada há sem importância. Ordem e perfeição se manifestam em toda a Sua obra.” [4]
A segunda lição é que, o fato das vestes mortuárias de Cristo estarem organizadamente dispostas atesta sua ressurreição, não a história do suposto roubo do seu corpo da tumba. Se se tratasse de um roubo, os ladrões não teriam se importado de organizar suas vestes. Isso seria perda de tempo. Contudo, as vestes de Cristo cuidadosamente dispostas sob a pedra onde jazera Seu corpo demonstra a realidade de Sua ressurreição corpórea e nos dá a certeza de Sua vitória sobre a morte.

Conclusão
Como afirmei no inicio dessa postagem, sempre que nos dedicamos ao estudo das Sagradas Escrituras, novos lampejos e novas verdades podem e devem ser o resultado de nossos esforços. Porém, precisamos ser escrupulosos com nossas conclusões; mais ainda, com nossos métodos de interpretação.
Cristo foi explícito quanto à realidade de Sua segunda vinda: na verdade, Ele foi explícito sobre a maior parte das coisas. Apenas para citar uma de Suas muitas referências a esse evento, lembremo-nos de Sua promessa em João 14:1-3: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também”.

[1] Sociedade Bíblica do Brasil, Almeida Revista e Atualizada (Sociedade Bíblica do Brasil, 1993; 2005), Jo 20:3-10.
[2] Timothy Friberg et al., vol. 4, Analytical Lexicon of the Greek New Testament (Baker's Greek New Testament Library, Grand Rapids, Mich.: Baker Books, 2000), 227.
[3] H.G. Liddell, A Lexicon : Abridged from Liddell and Scott's Greek-English Lexicon (Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc., 1996), 425.
 [4] Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, trad. Isolina A. Waldvogel, 22 ed. (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2004), 789.