Já soltei
pião no ar; eu os apanhava na palma da mão sem que tocassem no chão. Já
treinei saltos ornamentais; eu conseguia saltar um mortal triplo com um
parafuso de trezentos e sessenta graus completo. Fui um dos precursores do “skibunda”
no Ceará - a modalidade de esqui na areia das dunas. Quando morei nos
Estados Unidos, aprendi as regras do baseball e podia acompanhar a transmissão
dos jogos pelo rádio.
Hoje
imaginei onde estaria a minha vida se tivesse persistido nessas aptidões geniais.
Talvez encantasse a burguesia paulistana como o único cearense do elenco do
Circo de Soleil, que faz malabarismos com piões. Quem sabe não seria o
treinador da equipe de saltos ornamentais que tenta qualificar-se para as
Olimpíadas? O meu fascínio pelo baseball poderia ter me levado a emigrar para
os Estados Unidos - hoje seria um dos militantes do Partido Democrata que tenta
eleger o Barack Obama. Sorrio quando me imagino proprietário de uma pousada no
pé de uma duna - administrando uma equipe de instrutores que ajuda os
turistas a descerem em pranchas pelas areias brancas do Ceará.
Também, ao
invés de gastar tanto tempo aprendendo a soltar pião, eu poderia ter
canalizado tantos e tão extraordinários talentos em aulas de piano, violino ou
trombone. Quem sabe não me tornaria um virtuoso me apresentando
em auditórios europeus como o “fantástico fenômeno da música erudita
brasileira”? O que teria acontecido se, ao invés de praticar saltos
ornamentais, tivesse enfiado a cara nos livros? Talvez fosse a “nova referência
acadêmica da filosofia nacional”.
Já
contemplei os vários caminhos, as infinitas possibilidades, que estavam à minha
disposição quando era um adolescente com uma cabecinha de vento.
Chego a ter uma vontade louca de pedir a Deus que me dê uma nova chance,
de reencarnar. Acontece que eu pediria ao Todo Poderoso para voltar como o
Ricardo, e lembrando de tudo. Quero continuar filho do Eródoto e da
Glícia, neto do Zé Gondim e da Maria Cristina. Pediria ao Senhor para deixar
que a minha infância acontecesse do mesmo jeito, plena de magia, solta e
deliciosamente irresponsável.
Caso
retornasse à terra, pediria para ter os mesmos amigos. Tenho saudade do futebol
que jogava numa areia preta – Deus pode até deixar que eu
pegue frieira de novo; colecionaria figurinhas no mesmo álbum da Copa do
Mundo de 1966, com o Garrincha na capa; tomaria banho de chuva na bica
mais volumosa da redondeza; voltaria a dançar nas vesperais dos clubes da
periferia.
Pensando
bem, melhor não voltar. Aprendi a soltar pião e a saltar de trampolim e
vou guardar esse tempo no escaninho da alma. Se voltasse no tempo,
acho que estragaria tudo. Estou adulto demais. Não, não me tornei um
ás naquelas proezas; não me especializei nos fabulosos talentos que desenvolvi.
Mas não tem importância, a recordação me faz feliz. E
mais: daqueles verdes anos aprendi que toda saudade é
sagrada.
Ricardo
Gondim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário