sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Nostalgia.


Já soltei pião no ar; eu os apanhava na palma da mão sem que tocassem no chão. Já treinei saltos ornamentais; eu conseguia saltar um mortal triplo com um parafuso de trezentos e sessenta graus completo. Fui um dos precursores do “skibunda” no Ceará - a modalidade de esqui na areia das dunas. Quando morei nos Estados Unidos, aprendi as regras do baseball e podia acompanhar a transmissão dos jogos pelo rádio.

Hoje imaginei onde estaria a minha vida se tivesse persistido nessas aptidões geniais. Talvez encantasse a burguesia paulistana como o único cearense do elenco do Circo de Soleil, que faz malabarismos com piões. Quem sabe não seria o treinador da equipe de saltos ornamentais que tenta qualificar-se para as Olimpíadas? O meu fascínio pelo baseball poderia ter me levado a emigrar para os Estados Unidos - hoje seria um dos militantes do Partido Democrata que tenta eleger o Barack Obama. Sorrio quando me imagino proprietário de uma pousada no pé de uma duna - administrando uma equipe de instrutores que ajuda os turistas a descerem em pranchas pelas areias brancas do Ceará.
Também, ao invés de gastar tanto tempo aprendendo a soltar pião, eu poderia ter canalizado tantos e tão extraordinários talentos em aulas de piano, violino ou trombone. Quem sabe não me tornaria um virtuoso me apresentando em auditórios europeus como o “fantástico fenômeno da música erudita brasileira”? O que teria acontecido se, ao invés de praticar saltos ornamentais, tivesse enfiado a cara nos livros? Talvez fosse a “nova referência acadêmica da filosofia nacional”.

Já contemplei os vários caminhos, as infinitas possibilidades, que estavam à minha disposição quando era um adolescente com uma cabecinha de vento. Chego a ter uma vontade louca de pedir a Deus que me dê uma nova chance, de reencarnar. Acontece que eu pediria ao Todo Poderoso para voltar como o Ricardo, e lembrando de tudo. Quero continuar filho do Eródoto e da Glícia, neto do Zé Gondim e da Maria Cristina. Pediria ao Senhor para deixar que a minha infância acontecesse do mesmo jeito, plena de magia, solta e deliciosamente irresponsável.

Caso retornasse à terra, pediria para ter os mesmos amigos. Tenho saudade do futebol que jogava numa areia preta – Deus pode até deixar que eu pegue frieira de novo; colecionaria figurinhas no mesmo álbum da Copa do Mundo de 1966, com o Garrincha na capa; tomaria banho de chuva na bica mais volumosa da redondeza; voltaria a dançar nas vesperais dos clubes da periferia.
Pensando bem, melhor não voltar. Aprendi a soltar pião e a saltar de trampolim e vou guardar esse tempo no escaninho da alma. Se voltasse no tempo, acho que estragaria tudo. Estou adulto demais. Não, não me tornei um ás naquelas proezas; não me especializei nos fabulosos talentos que desenvolvi. Mas não tem importância, a recordação me faz feliz. E mais: daqueles verdes anos aprendi que toda saudade é sagrada.

Ricardo Gondim.

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